Tudo o que a Inditex joga em Israel: quase tantas lojas quanto a Adidas e a H&M juntas e mais reputação do que negócio
Com a decisão pendente da Europa de limitar as relações comerciais com o estado de Netanyahu, a multinacional de Arteixo, como a maioria das empresas de retalho, mantém-se no país com 82 estabelecimentos franqueados, embora tenha abandonado a Rússia com seis vezes mais.

Há mais de três anos, a maioria das grandes marcas de moda apressaram-se a abandonar o mercado russo, apesar do impacto económico que supôs nos seus balanços, devido à condenação internacional e à imposição de sanções pela invasão da Ucrânia. Porém, depois de dois anos do início da última ofensiva de Israel contra Gaza, a prática totalidade das grandes marcas com presença no país de Benjamin Netanyaju continuam no território. Ainda assim, o aumento da pressão por parte da sociedade civil resultou em que, neste momento, as autoridades comunitárias tenham elevado a voz: a Comissão Europeia propôs a suspensão parcial do acordo comercial preferencial com o país e o Governo de Pedro Sánchez já apresentou a proposta do embargo total da compra e venda de armamento. Neste contexto, o que significaria para a Inditex e as grandes do retail abandonar este mercado? Segundo os seus números, o impacto, a priori, será muito menor que o da saída da Rússia. O custo de permanecer no meio de um cenário de sanções seria mais reputacional do que económico.
Operação com franqueado
À conclusão do exercício de 2024 da multinacional têxtil, Inditex declarava 82 lojas em Israel: 25 de Zara, 23 de Pull&Bear, 2 de Massimo Dutti, 14 de Bershka, 15 de Stradivarius e três de Zara Home. No exercício 2023-2024 contava com 80, portanto aumentou dois o seu número ainda em plena ofensiva sobre Gaza. Contudo, deve-se ter em conta que no país, os de Marta Ortega e Óscar Garcia Maceiras funcionam sob regime de franquia.
Em particular, em outubro de 2023, com o desencadeamento do conflito armado sobre Gaza, a Inditex informou do fecho temporário de todas as lojas no país. Explicou então que o seu franqueado “informou aos clientes do fecho das lojas através da página web das nossas marcas”.
Passados alguns meses, a página web da Zara em Israel já não mantinha esse aviso, embora, o fecho ou reabertura não seja decisão da Inditex neste caso, mas sim do seu franqueado. A empresa opera no país com a ajuda da Trimera Brands, a proprietária da marca Gottex, liderada por Joey Schwebel.
Peso relativo do mercado
De facto, com a exceção do crescente Estados Unidos — segundo mercado da Inditex apesar de contar com menos de uma centena de estabelecimentos —, as pouco mais de oitenta lojas de Israel, operando ainda por meio de um contrato de franquia, não deixam pensar que o negócio no país seja especialmente relevante para o grupo. No seu relatório anual, a multinacional com sede em Arteixo não oferece o lucro antes de impostos alcançado nesse território, coisa que sim faz com outros dos seus mercados com maior peso na sua operativa.
Outro dado que pode dar uma ideia é que o peso das exportações da Galiza para Israel durante 2024 reduziu-se de 147 para 132 milhões de euros, ainda que, a grande maioria, mais de 95 milhões, estejam relacionados com o setor da automação.
Convém dizer, no entanto, que o número de lojas da Inditex em Israel, 82, é superior ao número de estabelecimentos que possui em outras localizações como Bélgica (72), Brasil (54), Bulgária (33), Colômbia (43), Países Baixos (68), ou Emirados Árabes Unidos (77), entre outros.
Também é superior ao número apresentado por vários de seus competidores. Por exemplo, segundo a sua página web, a sueca H&M teria cerca de 23 lojas em Israel, frente às 36 que figuram no site da Nike e às cerca de 58 do gigante do desporto Adidas.
De acordo com o modaes, Mango também somaria em Israel cerca de 50 lojas que, como no caso da Inditex, funcionam sob regime de franquia lado a lado com Fox Group, seu sócio tanto em Israel como no Canadá.
Das franquias aos sócios locais
Na realidade, é comum entre os grandes do retail trabalhar através de franquias ou com sócios locais em determinados países que, por causas políticas ou económicas, estejam sujeitos a uma maior volatilidade. No caso da Inditex, segundo a informação consultada por Economía Digital Galiza, o grupo já tinha presença em Israel quando saiu à bolsa, em 2001. Em concreto, um ano antes, segundo a documentação enviada à CNMV, somava 22 lojas, especificando que todas elas eram franqueadas. Deste modo, pode-se extrair que, em 25 anos, o seu franqueado em Israel apostou por aumentar a oferta em 60 lojas mais, um crescimento que, certamente, não é especialmente notável no universo da Inditex.
Foi em 2019, antes da pandemia, quando Zara iniciou a venda online em Israel, além de na Arábia Saudita, Emirados Árabes, Líbano, Marrocos, Egito, Indonésia e Sérvia.
Israel frente à Rússia
Esta segunda-feira, o presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, reivindicou no Fórum Mundial de Líderes da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, que “perante o genocídio que está ocorrendo na Faixa de Gaza, seria imperdoável que a comunidade internacional olhasse para outro lado”. Durante a sua intervenção, o chefe do Executivo indicou que não se deve ter um “duplo critério” quanto ao que se passa com a Rússia, após a invasão da Ucrânia, e Israel e a sua operação militar em Gaza.
Sánchez lembrou que em fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia e “grande parte da comunidade internacional, incluindo a União Europeia e os Estados Unidos, condenaram, e com razão, essa agressão”, além de aprovar sanções contra Moscovo e ajudar Kiev. “Eu continuo a perguntar-me qual é o duplo critério que impede que condenemos com a mesma determinação o assassinato de mais de 60.000 palestinianos em Gaza”, acrescentou. “Uma coisa é proteger o teu país e outra coisa é assassinar mais de 60.000 civis, deslocar dois milhões de pessoas, bombardear hospitais, matar à fome crianças inocentes. São coisas muito diferentes”, refletiu.
Impacto reputacional
Neste cenário, se se acabar por implementar um regime de sanções contra Israel, como o que se pôs em marcha com a Rússia, a permanência das marcas da Inditex e de outros grupos de moda no país teria, neste caso, um impacto mais reputacional do que de negócio. No seu relatório, a multinacional galega explica os diversos riscos aos quais se enfrenta como grupo, e os divide segundo a sua natureza em “financeiros, geopolíticos, tecnológicos, ambientais, de governo e sociais”. Dentro desta última categoria “incluem-se também os riscos que influenciam diretamente na perceção que do grupo têm os seus grupos de interesse (clientes, colaboradores, acionistas e fornecedores) e a sociedade em geral”. “Derivam da possibilidade de uma gestão inadequada dos aspetos relativos à ética corporativa, à sustentabilidade social e ambiental, à responsabilidade pela saúde e segurança dos produtos, à imagem corporativa do grupo, também nas redes sociais, assim como qualquer outro potencial incumprimento que pudesse ter efeito na reputação da organização”, explicam.
A este respeito convém lembrar que no passado julho, o Comitê Nacional Palestiniano de BDS (BCN nas suas siglas em inglês), lançou uma campanha de boicote à Zara, à qual acusava de cumplicidade com Israel. A associação criticou a abertura de uma macro-loja do grupo no início do ano em Tel-Aviv, no complexo Big Fashion Glilot, e recordou as polémicas sobre a figura do anteriormente mencionado presidente de Trimera Brand, o seu franqueado no país.
Em outubro de 2022, um alto cargo religioso da Autoridade Palestiniana emitiu uma fatwa ou edicto que proibia toda a relação comercial com a cadeia de moda, em represália pelo encontro entre o dono da franquia israelita, Joey Schwebel, com o ultradireitista israelita Itamar Ben-Gvir. Um cargo que, segundo a associação BDS, “tem chamado abertamente a expulsar os palestinianos, disparar contra civis e negar a ajuda humanitária em Gaza”.
Inditex abandonou o mercado russo há três anos depois da invasão da Ucrânia. Nessa altura contava com mais de 500 lojas e 9.000 empregados.
No caso da Rússia, os de Óscar García Maceiras chegaram a um acordo com um antigo sócio libanês, Daher, que em 2023 ficou com a transferência dos ativos e funcionários ligados a 243 lojas. O resto, que não pertencia à Inditex, foi fechado. O impacto da cessação das operações estima-se em 231 milhões de euros, uma quantidade que não desorganizou o seu balanço, já que estava provisionada. Por enquanto, não há indícios do regresso da matriz de Zara ao país.