Homonoia

A homonoia não significa que todos pensemos igual, mas que aceitemos nossas diferenças e, apesar delas, decidamos conviver

De volta às tarefas habituais, e com o panorama como está, continuo resgatando e divulgando termos que, por um lado, resultam desconhecidos, mas por outro, são atuais e recomendáveis, não apenas para conhecê-los, mas, sobretudo, para aplicá-los.

Refiro-me aos artigos intitulados Agenesia, Atrofalaxia ou Eusocialidade. O primeiro para descrever o problema que temos em nos entender, que parece se exacerbar cada vez mais; junto à ausência de fundamentos válidos e, como consequência, o vazio existencial que muitas pessoas estão experienciando (como, por exemplo, mostram os consumos cada vez mais elevados de ansiolíticos ou o aumento dos suicídios). Quanto aos outros dois termos, eles também se referem, de outro ponto de vista, à convivência, ou, infelizmente, à falta dela que estamos sofrendo e que chega à deshumanização; como estamos vendo tanto nos conflitos atuais como em fenômenos como a migração, a economia, as comunicações, etc.

Nesta ocasião, trago à colação o termo homónoia. Na antiga Grécia, referia-se à concordância (literalmente “união de mentes” ou também de corações); isto é, à capacidade de uma comunidade manter a unidade e a ordem além das diferenças. O que foi aplicado pela primeira vez no século V a.C., já que sem ela a polis se descomponha em guerras civis; chegando a generalizar-se o seu uso quando Alexandre Magno adotou seus princípios para governar.

A homónoia não significa que todos pensemos igual, mas que aceitemos nossas diferenças e, apesar delas, decidamos conviver. Para isso é necessário renunciar ao dogmatismo e entender que “o outro”, o diferente, não é um inimigo a combater, mas alguém com quem compartilhamos vida e existência. De fato, li essa palavra no título de um capítulo do livro Sapienciologia, de Sergio Parra (2024), que começa com a seguinte frase: “Se eu pensasse como você, seria como você”.

“A homónoia significaria concordar no essencial: defender juntos a terra comum antes que o fogo – tanto físico quanto mental – nos devore a todos.”

Por isso que este termo ganha especial relevância, atualidade e volta a ser necessário, quando tudo parece fragmentar-se cada vez mais e vivemos numa sociedade onde o confronto se tornou a norma, a política se alimenta de trincheiras, as redes sociais de insultos e a rua de desconfiança. No entanto, o preço desta tensão é demasiado alto: um país dividido, um mundo em guerra, comunidades que perdem sua força vital, etc.

Como eu disse a uma amiga valenciana que me perguntou sobre os terríveis incêndios florestais que acabamos de causar e sofrer, infelizmente, na Galiza estamos acostumados: uns veem a montanha como recurso econômico, outros como paisagem cultural, outros como simples propriedade privada, outros como arma política… Tudo o contrário que, por exemplo, na Suíça, onde não há e lhes são inconcebíveis tais incêndios, tanto pelo que supõem no ambiente quanto na economia e para a convivência com o meio. O caso é que aqui temos ou sofremos uma falta de visão compartilhada sobre algo tão elementar e, enquanto discutimos, a floresta e a biodiversidade desaparecem. A este respeito, a homónoia significaria concordar no essencial: defender juntos a terra comum antes que o fogo – tanto físico quanto mental – nos devore a todos.

A nível nacional, entre as divergências por quase tudo, a imigração se tornou o bode expiatório perfeito. Uns clamam por muros e expulsões rápidas; outros, por acolhida controlada. No meio, a cidadania percebe medo e incerteza. Mas a pergunta chave é outra: queremos uma sociedade fracturada, com guetos e ódio, ou uma sociedade que, com regras claras e realistas, aposte na integração? A homónoia aqui não é unanimidade, mas um consenso básico: reconhecer a dignidade de quem chega e lembrar que, durante séculos, os emigrantes fomos nós.

“Os incêndios florestais, o debate migratório ou as guerras não são fenômenos isolados, são sintomas de um mesmo mal: a incapacidade de concordarmos no essencial.”

Quanto ao cenário internacional, mostra a ausência mais brutal de concórdia. Gaza, Ucrânia,… guerras que arrasam vidas e territórios enquanto os líderes se entrincheiram no ódio. No entanto, mesmo ali aparecem lampejos de humanidade: uma mãe que protege seus filhos, um médico que opera sob bombardeios, jornalistas que arriscam suas vidas para informar, vizinhos que compartilham o pouco que lhes resta. São atos de homónoia em meio ao horror, lembretes de que a concórdia não é um luxo, mas uma necessidade vital.

Os incêndios florestais, o debate migratório ou as guerras não são fenômenos isolados, são sintomas de um mesmo mal: a incapacidade de concordarmos no essencial. Se continuarmos instalados na confrontação permanente, o futuro só trará mais fogo, mais ódio e mais destruição. Em tempos em que as redes sociais amplificam a raiva e os partidos buscam votos à base de divisão, falar de concórdia soa ingênuo, mas o realmente ingênuo é acreditar que podemos sobreviver sem ela.

A história demonstra que as sociedades que perdem a homónoia acabam enfraquecendo até o colapso; e vice-versa, aquelas que a aplicam conseguem um esplendor como o da civilização helênica. Por isso que resgatar a velha palavra grega é mais que um gesto erudito, é uma urgência política e moral. A homónoia é o único caminho possível para reconstruir a confiança e garantir um amanhã compartilhado; porque a alternativa ─ infelizmente também ─ já a conhecemos: a barbárie.

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