Amor, IA e riscos reputacionais

O verdadeiro desafio das organizações saudáveis não é espiar os empregados, mas construir culturas empresariais nas quais a ética, a transparência e a confiança minimizem os riscos de que o pessoal se torne um problema corporativo

Há algumas semanas, o conselho de administração da Nestlé tomou uma decisão drástica: demitir Laurent Freixe, seu executivo máximo, após descobrir-se um relacionamento pessoal com uma subordinada. Não era um problema financeiro, nem de falha estratégica, era um assunto privado que acabou tendo consequências públicas e empresariais. A questão realmente afetou a reputação do maior grupo de alimentação do mundo?

O home office transformou nos últimos anos a forma de trabalhar, mas para a maioria, o local físico do trabalho continua sendo onde se permanece mais horas ao longo da semana.

No caso dos altos executivos, a vida privada confunde-se muitas vezes com a profissional. Quanto mais alto se sobe na pirâmide de comando, maior é o escrutínio. A expectativa de exemplaridade pesa, e qualquer passo em falso pode se tornar um problema reputacional para toda a companhia.

Freixe, que será substituído pelo ex-presidente da Inditex, Pablo Isla, foi investigado internamente após rumores de que o alto executivo mantinha um relacionamento afetivo com uma subordinada, o que constituía uma violação do código ético da multinacional suíça. Até que ponto uma empresa deve regular a vida pessoal de seus empregados?

Quando eclode um caso desse tipo, a primeira vítima costuma ser a moral interna da organização. Os rumores se espalham mais rápido que qualquer comunicado oficial. Nas organizações, o rumor funciona como a rede social mais potente e menos controlada. E aqui está onde a comunicação interna se torna um fator crítico. Se a empresa age com opacidade, o vazio é preenchido com especulação. Se age com transparência, pode transmitir coerência e confiança. Nos casos corporativos que me tocou assessorar, sempre transmiti que a chave está em dar explicações suficientes para preservar a credibilidade, mas sem alimentar o sensacionalismo nem expor desnecessariamente os envolvidos.

Para os executivos, a mensagem é clara: a exemplaridade já não é opcional

O interessante é que esse escrutínio, que antes era principalmente humano, agora convive com um novo nível de controle: o tecnológico. A irrupção da IA está transformando a relação dos colaboradores com suas organizações no campo da gestão de pessoas. Algumas ferramentas, como os sistemas de people analytics, analisam os e-mails, chats ou reuniões para detectar padrões de produtividade, colaboração ou mesmo o “desgaste emocional” que um trabalhador pode ter. Também algoritmos que identificam “condutas anômalas” na comunicação (palavras-chave, tom, frequência…) para antecipar possíveis vazamentos de informação ou conflitos de trabalho.

Em suma, situações que entram no campo da ética sobre a privacidade e a vigilância dos colaboradores, nas quais se esfumaça a fronteira entre medir o desempenho e controlar a vida privada do empregado, com o consequente risco de “vigilância invisível” que gera grande desconfiança e autocensura nesses coletivos. E com um risco adicionado, o de criar um clima de vigilância que iniba a inovação, a crítica e o pensamento independente.

Ademais, há um efeito externo que não se pode ignorar: esse tipo de casos e práticas impactam na reputação além da organização. Investidores que temem um deterioro da governança, consumidores que percebem incoerência entre valores e comportamentos, ou jovens talentos que descartam trabalhar em companhias percebidas como intrusivas ou opacas. A gestão da comunicação interna, consequentemente, não só protege a moral das equipes: também protege a confiança do mercado e a capacidade de atrair as melhores pessoas.

Estou convencido de que o verdadeiro desafio das organizações saudáveis não é o de espionar os empregados, mas construir culturas empresariais nas quais a ética, a transparência e a confiança reduzam ao mínimo os riscos de que o pessoal se torne um problema corporativo. Para os executivos, a mensagem é clara: a exemplaridade já não é opcional. Para as empresas, a lição é dupla: primeiro, devem definir políticas claras e comunicá-las com coerência; segundo, a confiança é sempre mais poderosa que a vigilância e deve ser incluída na cultura e no propósito da organização.

Comenta el artículo
Avatar

Historias como esta, en su bandeja de entrada cada mañana.

O apúntese a nuestro  canal de Whatsapp

Deixe um comentário