A pegada de José María Castellano em Inditex e a família de Amancio Ortega
O empresário coruñês foi o artífice da entrada em bolsa da Inditex, cuja capitalização bolsista é 1.300% superior à do seu início de cotação, há 24 anos. Atualmente, a sua família mantém um negócio imobiliário com Josefa Ortega Gaona, irmã do fundador da têxtil

José María Castellano, peça chave na conversão da Inditex num gigante mundial do têxtil, faleceu em Madrid na madrugada desta quarta-feira aos 78 anos. Vinte anos após sua saída da multinacional, sua pegada permanece em Arteixo e, também, na família Ortega. Ele foi o artífice da saída a bolsa da cotizada, em maio de 2001, uma operação que não só catapultou a matriz de Zara, mas também transformou em multimilionários os seus acionistas iniciais. Passados os anos, apesar do seu sonoro desentendimento com Amancio Ortega pela frustrada operação de compra da União Fenosa, o executivo corunhês manteve sempre um vínculo empresarial com o clã: Artinver, uma imobiliária com ativos na França cujo capital compartilhava com Josefa Ortega Gaona, irmã da primeira fortuna de Espanha.
A morte de Castellano, que atualmente mantinha seu posto como presidente da energética corunhesa Greenalia, propiciou um pronunciamento inesperado nesta quarta-feira. O próprio Amancio Ortega. Não se lembra que, até agora, o veterano empresário tenha feito declarações públicas antes. Suas palavras foram comunicadas pela empresa à imprensa. Sua particular despedida a Caste. “Lamento profundamente o falecimento de José María Castellano, uma figura essencial na história da Inditex e, acima de tudo, uma grande pessoa, como sabemos todos os que tiveram a sorte de conhecê-lo e de contar com sua colaboração”, assina Ortega Gaona. “José María sempre se destacou pela sua brilhantez, profissionalismo e compromisso social. Todos na Inditex admiramos Caste, e ele sempre ocupará um lugar muito especial no coração da companhia”, disse. De fato, Inditex não seria o que é hoje sem a figura do catedrático de Economia.
A revalorização de um império
Castellano desembarcou na Inditex antes mesmo do seu próprio nascimento. O grupo, segundo os dados do Registro Mercantil, foi constituido em 1985, mas o catedrático foi recrutado por Ortega Gaona um ano antes após uma tentativa anterior de contratá-lo que não vingou. Permaneceu duas décadas em Arteixo, até sua saída, agora há quase 20 anos, precipitada pelo fiasco da operação de compra da União Fenosa por parte de Amancio Ortega, Jacinto Rey (San José) e Julio Fernández Gayoso (Caixanova). É verdade que há meses já convivia em Arteixo com quem seria seu sucessor, o então novo ex de Altadis, Pablo Isla.
Caste, que chegou a acumular os cargos de vice-presidente e conselheiro delegado do grupo têxtil, desenhou a saída a bolsa da companhia. O grupo começou a cotizar em 23 de maio de 2001. No próximo ano se completará um quarto de século. O folheto que os de Arteixo transferiram à CNMV apostava em colocar as ações a um preço que oscilava entre os 13,5 e os 14,9 euros, de forma que o grupo era então avaliado em cerca de 9.200 milhões de euros. Uma quantidade que, levando em conta a inflação, alcançaria um valor aproximado de cerca de 14.500 milhões. Atualmente, a capitalização bursátil do império têxtil supera os 140.000 milhões de euros.
Da excepcional revalorização da Inditex nesses quase 25 anos dá conta a própria companhia na sua última memória semestral enviada à CNMV. “A capitalização bursátil da Inditex situou-se em 130.619 milhões de euros ao fechar o semestre, um 1.326% superior ao de seu início de cotação em 23 de maio de 2001, frente a uma alta de 50% do Ibex35 no mesmo período”, destaca a companhia.
Quando a Inditex saltou para a bolsa, Castellano indicou que a operação não se realizava “para captar recursos, mas por uma razão de continuidade”. A multinacional não precisava de liquidez para financiar a expansão do grupo, mas para se tornar “um referente” para o mercado, que cada vez exigiria melhores resultados. Assim tem sido.
Uma operação que tornou milionária a família
A saída a bolsa da Inditex, impulsionada por Castellano, também disparou a fortuna da família Ortega. E a dele próprio. A matriz de Zara apostou por colocar no mercado 26,09% do seu capital social, incluindo também nesta quantidade os títulos correspondentes às opções de compra das entidades colocadoras, os green shoes. Em seu primeiro dia na bolsa, a ação disparou quase 23%.
Segundo o seu folheto de saída a bolsa, dos 22,69% do capital social da Inditex lançados à oferta, sem contar os green shoes, 44,59% reservavam-se neste caso para o tramo minorista, 12,97% para investidores institucionais espanhóis, 38,91% para internacionais e 3,53% para empregados. A saída a bolsa foi fundamental para concretizar parte da atual fortuna do clã Ortega, já que no folheto de emissão, a companhia indicava que os acionistas que aderiram à oferta de venda eram Amancio Ortega, Rosalía Mera, Dolores Ortega Renedo, Sandra Ortega, Primitiva Renedo Oliveros, Marta Ortega Pérez, Josefa Ortega Gaona, Juan Carlos Rodríguez Cebrián e o próprio José María Castellano. Esta operação os tornou milionários, com fortunas que anualmente crescem graças aos dividendos que a companhia distribui.
Estrutura fiscal
Mais além da saída a bolsa, a Castellano –que enquanto desempenhava cargos de relevância na Inditex continuou dando aulas como catedrático na faculdade de Económicas em A Coruña– também se atribui a gênese da estrutura societária do grupo. Assim indica, por exemplo, o jornalista Julián Rodríguez na obra Senhores da Galiza (La Esfera de los Libros), na qual explica que Ortega não só foi um precursor em termos da irrupção da moda rápida, mas também na busca de menores faturas tributárias, sendo Holanda durante anos o eixo de um esquema de expansão internacional com o qual se evitou a dupla tributação.
“Embora o responsável direto desta estrutura seja José Manuel Romay de la Colina, executivo da casa, filho do ex-ministro popular Romay Beccaría, e casado com a primogênita de Josefa Ortega, em sintonia com o diretor fiscal, Ignacio Fernández, antigo responsável de inspeção da Agência Tributária da Galiza, nada disso se poderia entender sem José María Castellano”, aponta no livro.
Seguindo precisamente o rastro de Castellano na Inditex, não são poucos os que encontram certos paralelismos entre sua figura e a do novo número dois executivo do grupo, abaixo de Óscar García Maceiras, o anteriormente mencionado Ignacio Fernández, desde este ano brilhante novo diretor geral corporativo do grupo. Um executivo, como Castellano, centrado nas decisões econômicas do grupo e com quem chegou a coincidir em Arteixo durante quatro anos.
Sociedade com Josefa Ortega
Apesar de sua saída da Inditex em 2005 após a ruptura do histórico tandem com Ortega, Castellano manteve até sua morte um vínculo empresarial com a família. Em concreto com a irmã do empresário de Busgondo de Arbás, Josefa Ortega. Trata-se da imobiliária Artinver Activos, que se constituiu, segundo dados do Registro Mercantil, em 2001, o ano da saída a bolsa da têxtil.
Com ativos imobiliários situados principalmente na França, 50% do capital da companhia está nas mãos de Incio, o holding investidor da família de Josefa Ortega, enquanto a outra metade retém uma das sociedades patrimoniais da família de Castellano, Alazady.
Segundo as últimas contas de Incio, Artinver terminou o exercício de 2024 com um património líquido de 47,4 milhões de euros e um valor em livros que ronda os 50 milhões. Fechou o ano com umas perdas de 185.000 euros.
“O que passou, passou”
Apesar de sua partida, Castellano nunca relembrou com dor sua saída da Inditex e a operação de Fenosa. “O que passou, passou, e não tenho nenhuma intenção de falar sobre isso”, diria anos depois, numa entrevista concedida a Covadonga O´Shea, recolhida na obra Assim é Amancio Ortega, o homem que criou Zara (La Esfera de Los Libros). Na mesma, o catedrático indicava: “De Amancio só posso dizer coisas positivas. Insisto em que a confiança que colocou em mim foi absoluta. É um homem que me explicou uma série de aspectos relevantes, entre outros que a inteligência é o que leva a apreciar a beleza. Só posso desejar-lhe coisas boas”.
O tandem que formaram ambos reflete-se numa anedota que Castellano relata no livro. “Há demais que se dedicam a falar por falar. Imagina que um dia me chamou Fraga e me disse: ‘Estive com Jordi Pujol e ele me perguntou qual relação havia entre Zara e a droga’”.
Castellano pediu então ao então presidente da Xunta que lhe marcasse uma entrevista a ele e a Ortega com o president. Naquela época, a imagem do fundador de Zara ainda não havia sido divulgada. Era um empresário sem rosto, pelo que Puyol acreditava que o economista era realmente o fundador de Zara. “Deixamos tudo bem claro”, disse Caste, um executivo cuja marca perdura na Inditex.