Como Marta Ortega superou a ameaça da Shein: Inditex ganhará quase quatro vezes mais do que a ‘low cost’ em apuros
O gigante chinês chegou a ser avaliado em mais de 100.000 milhões em 2022, embora o seu potencial tenha vindo a esvaziar-se. Agora, sofre o impacto de Trump na isenção fiscal de 'minimis', o medo de que se reproduza na Europa e o escândalo na França pela venda de bonecas sexuais
Shein já não é a ameaça que era há alguns anos para o Inditex, ou pelo menos, é o que parecem deduzir os analistas, que já não incluem nos seus relatórios a concorrência do gigante da moda barata pela internet como um dos seus desafios. Embora a multinacional de Chris Xu seja um verdadeiro gigante, com um volume de negócios que cada vez mais reduz a distância com a têxtil galega, suas margens e lucros continuam a anos-luz. Embora mantenha altos crescimentos em vendas enfrenta seus problemas particulares, como o golpe que Trump deu em sua operação no mercado dos EUA e que poderia acabar se reproduzindo na Europa. Um território no qual, além disso, está envolvida em um escândalo reputacional devido à polêmica desencadeada na França pela venda de bonecas sexuais de aparência infantil.
Enquanto isso, Inditex e outras marcas, como Primak, apostam em expandir suas ofertas low cost em lojas físicas, no seu caso, Lefties, que acaba de abrir uma loja na Itália e que estuda seu desembarque no Reino Unido.
Avaliação
É difícil fazer uma aproximação aos números reais de Shein. Não é uma empresa cotada e, embora tenha tentado reverter essa situação em vista a uma possível entrada na bolsa, sempre se caracterizou por uma escassa transparência nos seus dados econômicos. O que sim se dá por certo no mercado é que há pouco mais de três anos, em abril de 2022, a companhia foi avaliada em mais de 100.000 milhões de dólares no quadro de uma rodada de financiamento. Naquela época, em pleno estouro da invasão da Ucrânia e da saída dos grandes da moda do próspero mercado russo, o valor que se lhe supunha era maior que a capitalização bolsista da matriz da Zara e da sueca H&M juntas.
Mas a ultra low cost foi perdendo fôlego ao mesmo tempo que ia diluindo as expectativas de entrada na bolsa. No passado fevereiro, Bloomberg apontava que sua última avaliação por parte dos investidores rondaria os 30.000 milhões de dólares. Uma cifra muito distante dos 148.000 milhões de euros de capitalização bolsista que maneja a companhia fundada por Amancio Ortega.
Quanto aos seus números, não existem cifras oficiais, mas esta mesma semana Bloomberg publicou que a companhia tenta se recuperar do golpe que sofreu nos Estados Unidos, após Donald Trump acabar com a famosa isenção fiscal de minimis que permitia a entrada de mercadorias abaixo de 800 dólares sem ter que pagar impostos nem tarifas.
Previsões para 2025
Segundo a publicação, a firma teria compensado a queda de vendas nos Estados Unidos com preços mais altos e cortes nos gastos de produção. Prevê finalizar o exercício de 2025 com um lucro líquido de 2.000 milhões de dólares, algo mais de 1.730 milhões de euros ao câmbio.
A cifra, de se tornar realidade, suporia que a companhia de moda rápida duplicaria ganhos num ano, já que em 2024 se anunciou um lucro de cerca de 1.100 milhões de dólares. Sobre a faturação ninguém deu dados por enquanto, mas se especula com um avanço de dígito duplo sobre a cifra do ano passado, que supostamente, segundo publicou The Guardian, rondou os 37.000 milhões de dólares.
Europa, após Estados Unidos
O impacto que plataformas como Shein e Temu experimentaram nos Estados Unidos após a abolição da lei de minimis poderia reproduzir-se na Europa, que estuda medidas similares que passariam pela eliminação de isenções de tarifas em envios postais abaixo de 150 euros e a implementação de uma taxa de dois euros por pacote que deveria ser assumida pela plataforma de venda.
Essa possibilidade vem de longe. Já em maio de 2023 a Comissão Europeia apresentou uma série de propostas para reformar a União Aduaneira da UE. Entre outras medidas, advogava por suprimir o limiar atual que isenta de pagar direitos aduaneiros. Mas não existe uma data concreta que determine quando se materializará esta proposta. No final do ano passado, numa resposta escrita formulada no Parlamento Europeu, a Comissão indicava que o controle aduaneiro, fiscal e de segurança das plataformas de comércio eletrónico era uma das orientações políticas para o período 2024-2029.
Deixando de lado o tema tarifário, neste momento, a companhia com sede em Singapura enfrenta uma nova polêmica na Europa, derivada da venda de bonecas sexuais de aspeto infantil na França.
Escândalo na França
Após detectar o Governo francês a existência de produtos dessas características anunciou esta quarta-feira o início de um processo para suspender a atividade da plataforma assim como reclamou aos serviços comunitários que também adotassem medidas severas para punir a plataforma de venda online.
A Comissão Europeia adotou uma postura mais morna. Na quinta-feira indicou que levava muito a sério a preocupação da França e que estudaria medidas se a companhia não agisse para retirar os produtos, mas não contempla pôr em marcha um veto na União Europeia.
O Executivo comunitário quer conhecer os detalhes da infração e o quadro de resposta francês para determinar se se trata de uma violação das regras por parte de “um, dois, três, quatro ou cinco” vendedores que usam a plataforma ou existe um “risco sistêmico” perante o qual a Comissão “não hesitará em tomar medidas”.
Lefties
É verdade que, pela primeira vez, no fecho do último semestre, especificou na informação enviada à Comissão Nacional do Mercado de Valores o seu número de lojas, que cresceu das 198 para 210 no período. Até agora, só estava presente nos mercados mais tradicionais do grupo: Espanha, Portugal e México, mas a aposta agora passa pela expansão.
As últimas contas de Lefties disponíveis no Registro Mercantil são as do exercício finalizado em janeiro do ano passado. A companhia, cuja sociedade de cabeceira é Nikole SA, finalizou o citado exercício, segundo a informação consultada por Economia Digital Galiza, com ativos de 188 milhões deeur e com umas vendas que rozaram os 550 milhões de euros, quase um 9,8% mais, aproximando-se, deste modo, do crescimento de dígito duplo.
O crescimento da marca parece uma das armas de Inditex para afastar a sombra de Shein.