Lições de Lobby no Chile

O meu recente traslado para o Chile coincidiu na Espanha com o escândalo do caso Montoro e o debate sobre a necessidade de uma regulamentação do lobby e dos assuntos públicos. Curiosamente, cheguei a um país com uma legislação muito avançada sobre este tema desde 2014, que obriga a tornar transparentes reuniões, viagens e doações a autoridades.

A recente polêmica na Espanha sobre o escritório fundado pelo ex-ministro Cristóbal Montoro e sua mediação para influenciar o poder legislativo reavivou um debate desconfortável, mas necessário: Quem realmente influencia nas decisões públicas? A contratação do escritório ligado ao ex-ministro da Fazenda – especializado justamente em assessoria fiscal – é apenas a ponta do iceberg de uma prática extensa e pouco transparente: o lobby informal.

Nas últimas semanas, meu trabalho profissional me levou a me estabelecer no Chile, um país que raramente aparece no debate europeu sobre lobby e transparência. No entanto – e devo admitir que para minha surpresa – seu quadro legal nesta área é digno de atenção e está muito à frente de muitos países, incluindo a Espanha.

“No Chile existe uma lei que regula o lobby, também conhecida como gestão de interesses ou public affairs. É uma das legislações mais claras e avançadas da Ibero-América nesta matéria.”

Sim, no Chile existe uma lei que regula o lobby, também conhecida como “gestão de interesses” ou public affairs. É uma das legislações mais claras e avançadas da Ibero-América nesta área. Desde 2014, regula de forma explícita as reuniões e gestões de influência perante as autoridades.

Enquanto em democracias maduras esta atividade tem sido profissionalizada e regulamentada, na Espanha ainda não temos uma legislação clara que delimite o que pode ser feito, como e sob quais regras. O resultado é uma zona cinzenta onde convivem consultorias de assuntos públicos, escritórios de ex-ministros, grandes empresas e ex-altos cargos que transitam sem impedimentos entre o poder público e o privado. Tudo isso às costas do cidadão e do controle social.

A figura do lobista, muitas vezes demonizada, não é apenas positiva, mas também necessária. Em uma democracia saudável, o diálogo entre o setor público e o privado é fundamental. O problemático é a opacidade: não saber quem se reúne com quem, para tratar de que temas, em que condições e com que resultados. Neste contexto, o Chile aparece como um exemplo a ser seriamente considerado.

A Lei do Lobby (Lei 20.730) regula as gestões de interesses perante autoridades e funcionários públicos. Obriga a que todas as reuniões com fins de lobby – quer sejam solicitadas por empresas, ONGs, associações ou particulares – fiquem registradas em uma plataforma digital pública. Além disso, impõe às autoridades a obrigação de declarar suas viagens financiadas por terceiros, doações e qualquer atividade suscetível de influenciar em sua função.

Resultado? Embora não tenha eliminado completamente as práticas informais, impulsionou uma cultura de transparência e profissionalizou o vínculo entre empresas e instituições públicas. As empresas já não podem se permitir gestões opacas, e a cidadania pode acessar facilmente a informação sobre quem tenta influenciar e como.

Essencialmente, a lei busca regular a atividade do lobby e a gestão de interesses particulares com um triplo objetivo: aumentar a transparência na relação entre autoridades públicas e entidades privadas; prevenir conflitos de interesses, corrupção e tráfico de influências e garantir o acesso público à informação sobre quem se reúne com autoridades, por quê e com que fins.

A norma alcança presidentes da República; ministros, subsecretários e seremis (equivalentes a presidentes autonômicos); parlamentares; prefeitos e vereadores; juízes, promotores e controladores; diretores de serviços públicos; e altos cargos de empresas estatais. Todos eles devem registrar audiências, viagens e doações.

“O registro público de audiências detalha quem solicitou a reunião, com que fim, quem assistiu e o que foi discutido”

O registro público de audiências detalha quem solicitou a reunião, com que fim, quem assistiu e o que foi discutido. Quanto a viagens e doações, as autoridades devem informar qualquer financiamento de terceiros que possa influenciar em sua gestão. Além disso, estão obrigadas a manter uma agenda acessível ao público.

O caso Montoro demonstra que, sem regras claras, o lobby na Espanha continuará se movendo nas sombras. Chile optou há muitos anos por um caminho diferente: registros públicos, obrigações para as autoridades e acesso cidadão à informação. Os próprios chilenos reconhecem que não é um sistema perfeito, mas mudou a forma como o poder e os interesses privados se relacionam neste país. Se já sabemos que a transparência é possível, por que continuamos na Espanha escolhendo a opacidade?

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