A carta na manga de Marta Ortega não está no luxo: Lefties e as cadeias de moda jovem ganham peso na Inditex
A marca 'low cost' da multinacional têxtil, integrada dentro de Zara, é a única do grupo que aumentou o seu número de lojas no primeiro semestre e encontra-se num intervalo de faturação que se aproxima de Oysho

¿Mudança de ciclo para a Inditex? A multinacional têxtil de Marta Ortega e Óscar García Maceiras sofreu como poucas o golpe dos investidores durante boa parte do ano devido à desaceleração dos seus números, ao apresentar resultados anuais e trimestrais distantes dos crescimentos de dois dígitos a que tinha habituado o mercado nos exercícios anteriores. Lanterninha vermelha do Ibex durante boa parte de 2025, a sua sorte, pelo menos por enquanto, mudou esta semana, com a apresentação das contas relativas ao primeiro semestre do ano. Nessas, algo ficou claro: o futuro do império de Arteixo continua passando pela Zara, sua marca estrela, mas também pelo avanço das marcas destinadas a um público mais jovem e pelo crescimento da sua marca low cost, Lefties.
Desde a saída de Pablo Isla, há mais de três anos, e a ascensão do tandem formado pelo novo CEO e pela presidente não executiva, o grupo aprofundou em diversos conceitos que o aproximavam, por momentos, do luxo acessível. Desde mais coleções exclusivas a ofertas em algumas das suas grandes flagships como o Apartamento, com um atendimento superpersonalizado ao cliente, que pode adquirir desde roupas até mobiliário de alta gama.
Contudo, os números divulgados esta semana reivindicam que a Inditex não esqueceu suas origens, como grupo que oferece moda acessível. As cadeias que mais estão crescendo percentualmente são as destinadas ao público jovem e, além disso, pela primeira vez, Lefties, uma marca low cost que nasceu para dar saída aos stocks da Zara ganha presença própria, com uma faturação que a colocaria cada vez mais perto da Oysho, sua marca desportiva. Em resumo, a zaradependência do grupo se reduz.
Inditex, marca a marca
A matriz da Zara chegou ao equador do seu ano fiscal com um lucro líquido de 2.791 milhões, apenas 0,8% mais, e com um aumento de vendas de 1,6%, até os 18.357 milhões de euros. São, em princípio, duas magnitudes que vêm corroborar a desaceleração. No entanto, a cotada foi premiada pelos investidores, anotando um avanço no preço da ação de 10% em apenas dois dias. Isso se deve, principalmente, às boas expectativas da temporada outono-inverno. Um dado foi chave: as vendas em loja e online a tipo de câmbio constante aumentaram 9% entre 1 de agosto e 8 de setembro. Isso, aliado à manutenção das margens, resultou numa mudança de cenário, novamente com o favor da maioria dos analistas.
Mas, o que aconteceu com as marcas da Inditex no primeiro semestre do ano? Conforme indicou García Maceiras na conference call perante os analistas, todas cresceram a tipo de câmbio constante. No entanto, atentando para vendas líquidas, as cadeias que percentualmente mais cresceram foram Stradivarius e Oysho, acima de 5%, seguidas de Bershka, com 4%, e Pull&Bear, com 3%.
A marca fundada pela família Triquell registrou um crescimento de 5,7% em vendas, até os 1.317 milhões de euros, enquanto que Bershka ficou em 1.438 milhões, consolidando-se como a segunda marca do grupo atrás da Zara.
Zara, que também integra nos seus resultados os rendimentos da Zara Home e da Lefties, foi a que anotou um menor avanço, de 0,8%, embora seus números não sejam comparáveis, já que firma uma renda de 13.150 milhões de euros. É necessário ter em conta que durante o primeiro semestre do ano concentrou 71% das vendas do grupo, um ponto abaixo do mesmo período do exercício anterior.
Porém, apesar do poderio da marca que este ano completa 50 anos, os números evidenciam que a dependência do grupo de Zara se reduz numa aposta pela diversificação. Um dado: neste momento, as lojas da segunda e terceira marca do grupo, Bershka e Stradivarius, superam em conjunto as da Zara. Quase 1.700 estabelecimentos entre as duas, frente aos pouco mais de 1.500 da marca estrela em todo o mundo.
Lefties se destapa
À margem da consolidação das marcas do grupo dedicadas ao segmento mais jovem, estes resultados semestrais da Inditex foram também os primeiros nos quais o grupo apresentou a Lefties, sua marca de moda mais acessível, que está paulatinamente ganhando mais peso num mercado de grande competição, pelos gigantes online Shein e Temu.
As vendas da Lefties sempre são imputadas dentro das da Zara, junto com Zara Home. Esses três conceitos são os que somam 13.150 milhões de euros na primeira metade do exercício fiscal. Embora a Inditex não detalhe o volume de negócios da sua marca low cost, sim fornece o número de lojas: 210 frente às 198 que somava no mesmo período do exercício anterior, sendo a única marca que avança em quantidade de estabelecimentos.
Lefties está em pleno período de expansão, como ficou claro na conferência oferecida pela Inditex esta semana, na qual se indicou que estão sendo testados novos mercados, além dos que já se encontram, grandes motores de lucro do grupo: Espanha, Portugal e México.
Sob o foco dos analistas
A expansão da marca não passa despercebida também aos analistas. Um dos que o menciona no seu último relatório após os resultados semestrais da cotada é JP Morgan.
O financeiro americano destaca que a Inditex tem em mente uma ampliação de 5% do espaço bruto novo anual entre 2025 e 2026. Além disso chama a atenção sobre o aumento de estabelecimentos da Lefties e que a direção do grupo “voltou a comentar que está testando o conceito em novos mercados, atualmente presente em 18”.
Crescimento de dois dígitos
As últimas contas da Lefties disponíveis no Registro Mercantil são as do exercício finalizado em janeiro do ano passado. A companhia, cuja sociedade de cabeça é Nikole SA, finalizou o citado exercício, segundo a informação consultada por Economía Digital Galicia, com ativos de 188 milhões de euros e com umas vendas que rondaram os 550 milhões de euros, quase um 9,8% mais, aproximando-se, deste modo, do crescimento de dois dígitos.
A companhia, isso sim, aumentou consideravelmente, baseada em seu crescimento, as despesas de pessoal, de 16,6 a 21,9 milhões, assim como os gastos de exploração, que foram de 95 a 103 milhões. Por esse motivo, passou de um lucro líquido em 2022 de 3,8 milhões para um negativo de 700.000 euros.
Durante 2023, as vendas da Lefties na Espanha passaram de 293 a 329 milhões de euros, enquanto que as do resto da Europa, em Portugal principalmente, aumentaram de 94 a 106 milhões. À espera de conhecer os dados da companhia relativos a 2024, seus números estão se aproximando aos da Oysho, que foram de 831 milhões, com um avanço de 11,8%.